domingo, 24 de abril de 2011

P. Kropotkin: Sobre o governo representativo ou parlamentarista

Por: Amanda França.

Nascido em Moscou, Kropotkin é apontado como um dos principais anarquistas do final do século XIX. O autor era também geógrafo, serviu ao exército russo em 1862 e contribuiu decisivamente com as formulações teóricas libertárias acerca do Anarco-Comunismo.

O Anarco-Comunismo era uma das vertentes teóricas do Comunismo. Defendia o fim do Estado e da Propriedade Privada, assim como, uma democracia direta realizada através de federações de trabalhadores que gerenciariam a vida social como um todo.

No texto analisado, Sobre o Governo Representativo ou Parlamentarista”, Kropotkin em seus primeiros parágrafos afirma que um regime político está sempre e, inevitavelmente submetido ao regime econômico. Não existem modificações significativas na estrutura política realizada através da legislação, toda aparente transformação é tratada pelo autor como uma adaptação ao que tange o regime econômico. Para que haja transformações profundas e duráveis é preciso promover uma revolução de ordem econômica.
Kropotkin defende a extinção do capitalismo. Segundo o autor o capitalismo representa o estrangulamento de todas as liberdades e de todo progresso (Kropotkin, p.48), propondo dessa maneira, uma revolução no modo de produção e de distribuição, a abolição da propriedade privada individual, estabelecendo um regime coletivista. E é nesse ponto que o autor afirma que o parlamentarismo é inviável para este modelo econômico.

Defendida a máxima de que “um novo regime econômico exige um novo regime político (Kropotkin, p.48)”, a crítica é acirrada as formas de governo representativo, seja no parlamentarismo ofertado pela democracia, sejam pelo absolutismo ofertado pela monarquia.  O autor desdenha a fé atribuída em um governo representativo, o chama de “governo por procuração”. Para Kropotkin não existem diferenças substancias entre monarquias, democracias ou até mesmo comunas revolucionárias, pois todas seguiram os mesmos rastros, a representatividade.

Partilhando das idéias de J. S. Miel, o autor defende o surgimento de uma organização política nascidas das verdadeiras necessidades da humanidade e dotada da concepção de que a representatividade não é uma forma de ser livre, muito pelo contrário. O sistema representativo não deu as sociedades às liberdades que lhe é atribuída, tais como o sufrágio universal e o suposto controle e participação da sociedade no governo. Os movimentos gerados pelo pensamento liberal resultante em revolução é que promove as liberdades existentes até então. O governo representativo por si só não concede liberdades reais, mas oferta a adaptação administrativa ao despotismo. Assim sendo, é preciso defender-se do parlamentarismo, assim como se fez contra a monarquia (Kropotkin, p.52-53).

Avaliar se os efeitos do poder representativo são tão grandes e insuportáveis como eram os do poder absoluto é uma das ambições do trabalho do autor. O regime representativo nada mais é que uma atribuição do poder absoluto, submetido a uma fiscalização popular fictícia, marcando um entrave para o progresso de acordo com Kropotkin. Os defeitos desse regime não são inerentes aos indivíduos que estão no poder, mas sim ao próprio sistema, uma dominação organizada da burguesia, que tende a desaparecer com ela. Pensar em um novo modo de organização política baseada num principio que não seja a representatividade, é a grande questão trabalhada por Kropotkin.

O governo representativo é déspota mesmo se chamado de Parlamento, Convenção, Conselho da Comuna. Pois sempre procura estender sua legislação, reforçar seu poder. Segundo o autor, isso faz com que sua interferência se realize em todas as esferas da vida individual e social. “A sua tendência natural, inevitável, será apoderar-se do individuo desde sua infância e levá-lo de lei em lei, da ameaça à punição, do berço à cova, sem nunca o libertar da sua vigilância (Kropotkin, p. 55)”.  A constituição é assim uma força que fatalmente apodera-se de tudo e regula todas as funções da sociedade desenfreadamente, se não for freada por meio da agitação ou insurreição.

O Parlamentarismo não faz exceção à regra, é feroz contra uns e delicado com outros. É protetor dos privilégios da burguesia comercial e industrial e contra a aristocracia e os exploradores.
Órgão da dominação do capital ferindo com mais segurança e covardia do que qualquer déspota, o governo representativo é perpetuado pelo sistema econômico vigente.  Assim sendo, a igualdade econômica é a ferramenta indispensável para a construção do sistema político proposto por Kropotkin, onde cidadãos livres gerem sua própria vida. A defesa do governo pessoal segue em todo trabalho, só assim o poder estaria nas mãos de uma classe e não de uma pessoa.

A representatividade teve origem, segundo o autor, nas inúmeras atribuições dadas as essa forma de governo com o passar do tempo, tais como: atribuições políticas, econômicas militares, financeiras, industriais, históricas, etc. Juntamente com a garantia de ordem atribuída a essa forma de governo.
“Todo governo tem uma tendência para se tornar pessoal; é a sua origem; é a sua essência (Kropotkin, p.58)”.  Admite Kropotkin em suas análises, ainda que formado exclusivamente por trabalhadores, a representatividade procura sempre os que desejam abster-se do trabalho de governar, optando pela submissão.

Funcionalismo para tudo! Eis a característica da representatividade analisada pelo autor. A melhora do parlamentarismo é um pensamento ingênuo, afirma Kropotkin, p. 61. Somos fruto de uma educação autoritária, o desejo de tornar real um Estado operário governado por uma assembléia eleita é a pior das ambições. Não existem bons reis e não pode haver bom parlamento, o futuro é socialista. 
  
Há inúmeros defeitos no sistema representativo, entre eles os homens que se dispõe a governar são mentirosos, sejam eles oportunistas ou socialistas-revolucionários. Ainda que o poder dos deputados fosse diminuído ao máximo, ainda que fosse fracionado em cada Estado, pequenos Estados, tudo ficaria na mesma, pois o homem faz da política uma indústria e produz em grande escala publicidade e corrupção. A representatividade se apóia na máxima de que é especialmente exercida pelos melhores, e esses, são dotados de uma invejável capacidade cognitiva capaz de legislar não importa sobre o quê. O que francamente não é verdade.

O único direito não violado é o de tempos em tempos nomear novos representantes, conservando sempre os vícios das assembléias representativas. O regime em questão “deu o que tinha que dar”, e deve ceder lugar a outro regime político, dentro dessas concepções. Uma nova sociedade baseada na igualdade de condições, na posse coletiva dos instrumentos de trabalho não se contenta com o regime representativo. Kropotkin deseja uma revolução social que cure os modos de organização política do passado e que corresponda a nova organização econômica. Trata-se da formação crescente de grupos que visam à satisfação de todas as múltiplas necessidades dos indivíduos nas sociedades. O futuro deve ser marcado pelo livre agrupamento e não pela centralização governamental.

Livre de críticas pessoais e conceituais, esse breve texto é um resumo teórico quase literal dos conceitos de Kropotkin, o texto é muito rico em dados históricos que foram descartados neste resumo. Desejo que lhes seja útil, que estimule o aprofundamento crítico das concepções de Kropotkin e que leiam o texto integralmente.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Lênin X O populismo russo

Por: Alessandro R. Chaves

Pessoal, vou contribuir para o nosso blog com um texto sobre a obra O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, de Lênin – na verdade trata-se da introdução de José Paulo Neto. Porém, não posso deixar de mencionar que tenho grande afinidade com esse autor (Lênin) – tanto em suas reflexões teóricas, quanto em sua tática partidária e, é claro, em sua prática revolucionária que foi de fundamental importância para a Revolução de 1917 – o que me deixa passivo de erros. Certamente os colegas vão se atentar quanto a isso.

Em primeiro lugar, em linhas bem gerais, é necessário compreender o momento histórico do qual estamos nos referindo, ou seja, última década do século XIX na Rússia (Europa Oriental); mas não podemos ignorar o que está acontecendo – ou aconteceu – nos países da Europa Ocidental (Inglaterra, França e Alemanha, principalmente). Nessa parte da Europa (a parte ocidental) o capitalismo consegue avançar e se instalar em proporções nunca antes imaginadas pelo homem do século XIX, e consequentemente avança também o conflito entre proletários e burgueses; é no interior desses conflitos que começam a surgir os partidos social-democratas (comunistas, representantes da classe trabalhadora).Percebe-se que nos países em que o capitalismo se torna sistema dominante, o resutado é uma sociedade urbana diferente da forma rural de tempos anteriores.

É no seio dessa sociedade, onde o capital já é predominante e os conflitos estão cada vez mais nítidos, que Marx e Engels irão desenvolver suas teorias. O que essas nações (em alguns casos, cidades) têm em comum, é que todas – com suas particularidades – seguiram o mesmo processo histórico – entenda-se, feudalismo, capitalismo, de sociedade rural à sociedade urbana, e que para chergar ao próximo passo (para os marxistas, o socialismo) deveriam, essas sociedades, possuírem um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas, entre outras complexas coisas.

O fato é que na Rússia, as coisas não estavam acontecendo dessa forma. Em pleno o final do século XIX, a Rússia era um país com enormes caracteristicas feudais, ou seja, uma sociedade ainda rural; tanto que " o problema que se colocava, em primeiro plano, na discussão socialista russa, não era o das premissas do socialismo: era o das premissas do capitalismo". Porém, os acontecimentos no ocidente – 1848 e 1871, principalmente – dão impulsos para movimentos anti-autocrátas na Rússia dos Tsar(es). Outro elemento de extrema importancia, é que em 1894, surge o 3° livro de O Capital de Marx, que irá tratar da questão agrária.

O ano para compreendermos o populismo russo é o de 1861. Nesse ano o governo autocráta elaborou reformas no campo que puseram fim a servidão. O resultado foi um grande número de camponeses que agora desfrutavam da condição de "liberdade". Porém esses indivíduos, agora "livres", não possuíam mais seus meios de subistências; a grande esperança dos que se encontravam nessa situação era o de integrar o MIR – cooperativa de camponeses – que desempenhavam um papel importante naquele momento.
O surgimento do movimento populista russo se dá nessas condições, significa na verdade "ir ao povo". Intelectuais da cidade viam no campo – e no MIR – o local onde estavam postas as condições para o socialismo. Pretendiam não passar pelo capitalismo, o objetivo era sair de uma situação muito próxima ao feudalismo direto para o comunismo. Os camponeses iriam desempenhar o papel do proletáriado no processo revolucionário.

Para escrever O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, e consequentemente se opôr ao populismo, Lênin realizou uma série de pesquisas, recorrendo a bibliografias, a dados da época e a uma extensa pesquisa empírica. Não podemos esquecer que as conclusões de Lênin, não brotam de sua mente, são resultados de uma análise concreta da introdução do capitalismo na Rússia. A crítica que sofrem os populistas – que são chamados de "anticapitalistas românticos" – nascem da incapacidade desse movimento de entender a sociedade russa em sua totalidade.

Pensavam, os populistas, que não haveria mercado interno para o desenvolvimento do capitalismo, pois o campesinato, nas precárias condições que se encontrava, não seriam consumidores. Lênin, atento leitor de Marx e conhecedor da realidade russa, já apontava que "não é a capacidade de consumo que é decisiva, e sim o grau de consumo produtivo, da demanda de sua produção".
De fato não era necessário para a implantação capitalismo que os camponeses viessem a ser um mercado consumidor. Para o capitalismo, era necessária condições para sua reprodução (as aulas de geografia certamente são de grande valor para entender esse fenômeno). Além de ter a oportunidade de "proletarizar" as massas de "camponeses livres".

O resultado da pesquisa de Lênin consegue identificar que o capitalismo já é um fato na Rússia (inviabilizando a teoria dos populistas). De forma lenta, ainda "travado pelo antigo regime", mas já produzindo conseqüências notáveis na sociedade russa, inclusive no campo; onde já ocorre, segundo o autor, uma "desintegração do campesinato" devido a interesses conflitantes.
Vale ressaltar que o movimento populista foi de grande importância para o desenvolvimento do socialismo na Rússia, esse movimento só se viu limitado por não conseguir compreender o movimento real da sociedade russa. Compreensão que Lênin teve – segundo o historiador iugoslavo Pedrag Vranic, a obra do revolucionário russo, permite "examinar melhor que todos os outros marxistas, o movimento real da sociedade russa e a sua estrutura – do que resultam as suas lúcidas avaliações das diversas situações históricas concretas".

Por fim, nas palavras de José Paulo Neto, cabe mais uma vez apreciar o método de Lênin, dizendo que "não se trata, neste livro, de "aplicar" um método preciso – no caso, aquele elaborado por Marx – a uma dada realidade. Antes, o procedimento leniniano consiste, a partir desse método, em agarrar a realidade de modo tal que a sua particularidade não resulte subsumida no reducionismo inerente às instâncias teórico-metodológicas".