1- Contra outros autores: Hume, ao expor essas idéias sobre a natureza do governo e da obediência dos súditos, crítica a posição de alguns autores em determinados momentos. Vejamos alguns exemplos.
Contra Aristóteles: Aristóteles havia afirmado que o poder monárquico deveria ter surgido de uma adaptação natural pela qual os indivíduos haviam passado na vivência familiar sob a autoridade de uma só pessoa, o pai. Hume contesta e afirma que o governo monárquico é herdeiro da organização militar das tribos.
"Considero essa explicação mais natural que a comumente extraída do governo patriarcal, ou da autoridade do pai, que ocorreria primeiro na família, acostumando seus membros à autoridade de uma só pessoa." (pg 580)Contra Platão: Platão, (por intermédio de Socrátes) no diálogo "Críton", sustenta a tese de que somos obrigados a obedecer ao governo, devido a um consentimento tácito que concedemos ao mesmo quando permanecemos vivendo em seus domínios após alcançar a idade adulta. Ou seja, seria o mesmo que dizer: "Se você continuou morando aqui é porque concorda com o que fazemos." A opinião de Hume, porém, é diferente:
"Se disserdes que, permanecendo em seus domínios, as pessoas de fato dão seu consentimento ao governo estabelecido, responderei que isso só poderia ocorrer se elas pensassem que a questão depende de sua escolha, coisa que poucos ou ninguém, além deses filósofos, jamais imaginou." (pg 588)Contra Locke: Procurando afastar Deus da base das idéias do direito natural, o filósofo escocês, critica a concepção de Locke, que afirma que as leis naturais são anteriores às convenções humanas:
"Desse modo, aproveitando-se da antiguidade e da origem obscura dessas leis, eles primeiramente negam que elas sejam invenções humanas, artificiais e voluntárias, e em seguida procuram enxertar nelas aqueles outros deveres que são mais claramente artificiais." (pg 582)Contra Hobbes: Hobbes acreditava que sem o governo os homens não poderiam viver em paz. Hume discorda:
"Embora o governo seja uma invenção muito vantajosa, e mesmo, em algumas circunstâncias, absolutamente necessária para a humanidade, ele não é necessário em todas as circunstâncias; não é impossível preservar a sociedade durante algum tempo sem recorrer a essa invenção." (pg 578)2- Para mim o problema nas três leis fundamentais que o autor enuncia: (estabilidade das posse, a sua transferência por consentimento e ao cumprimento de promessas), se encontra não somente na defesa da propriedade privada. O problema é que ela seja o objetivo único da sociedade. O problema é que o homem nesse caso está reduzido a necessidades mínimas.
Se os indivíduos de uma época ainda conseguem concordar com a idéia de que, o que o ser humano precisa, é unicamente paz e uma legislação adequada para os negócios, não me surpreende que o governo que eles tem não seja dos "melhores".
3- Uma coisa muito importante que devemos observar é que a política é reflexo da sociedade, e não o contrário.
Vejamos com um outro olhar as mudanças no pensamento político com o tempo.
Para Maquiavel, a única coisa que pode manter a fidelidade do povo são as armas. É preciso ameaçá-lo e/ ou manipula-lo.
Para Hobbes, os homens são capazes de fazer um contrato e chegar a um acordo através da razão.
Para Locke, os homens são bons por natureza e devem apenas transferir o seu direito de punir os crimes para o Estado, para evitar excessos.
Para Hume, os homens encontram no interesse da maioria o dever de obedecer ao Estado.
Veja, o homem era quase indomável, passou a ser capaz de pensar de vez em quando, melhorou mais, tendo o problema de apenas cometer alguns excessos, até que encontrou em sua consciência a sociedade burguesa.
Esses autores, então, apenas analisaram a sociedade ou serviram para modificá-la?
Tenho duas dúvidas sobre suas reflexões.
ResponderExcluir1) Não vejo essa diferença entre Hume e Hobbes, para Hume uma sociedade sem Estado só é possivel quando os inviduos não possuem bens de valor. Não me recordo em Hobbes o momento histórico em que é realizado o contrato, mas certamente os individuos já possuiam bens para serem preservados pelo soberano
2) Aqui o debate é bem complexo. Penso ser um risco afirmar "que a política é reflexo da sociedade, e não o contrário". Penso com Marx - sempre ele - "a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante"; para não alongar muito, isso só faz sentido se você considerar a "política" (da qual você está se referindo) como o pensamento da classe dominante. O que estava ocorrendo no momento em que essas "brilhantes" idéias iluminaram as mentes desses pensadores? Onde estava - para lembrar Florestam Fernandes - "os de baixo"? É um debate que merece mais atenção, mas estamos só começando.
Na primeira questão, eu quis destacar a questão da paz. Para Hobbes, a sociedade existiu durante um tempo sem Estado, mas essas sociedades conviviam debaixo da barbárie generalizada. Hume pensa diferente. Vou consultar o Bobbio para tirar qualquer dúvida.
ResponderExcluirNa segunda questão, é possível que pensemos a política como ideologia da classe dominante. Ok. Mas, o que eu queria, não desmentindo essa tese, é sugerir que toda teoria política tem que ter relação com a realidade, tem que se adequar a ela (por isso é reflexo da sociedade como um todo) e pode ser capaz ao mesmo tempo de modificar essa realidade, e modificar principalmente as consciências dos indivíduos. Essa questão fica em aberto, precisamos destrinchá-la melhor, pois o tema é complexo.
Abraço.