Capítulo I: Até que ponto as formas de governo são uma questão de escolha
Nesse primeiro capítulo, Mill se propõe a tarefa de descobrir se as formas de governo são uma questão de escolha. Para ele, nesse assunto duas opiniões distintas e opostas foram apresentadas: uma que diz que as formas de governo são uma escolha. Já que os homens são os criadores e mantenedores de suas instituições, não há nada que nos impeça de idealizar à vontade a respeito de nossa organização social. Tudo o que se trata de fazer segundo essa teoria é pensar a melhor forma de governo de acordo com nossos objetivos e em seguida persuadir o conjunto da comunidade a adotá-la. A segunda linha teórica afirma que os governos se desenvolvem espontaneamente. Cada povo tem a forma de governo mais adequada a sua constituição, ao nível de seu desenvolvimento intelectual e moral e as coisas se colocam espontaneamente, não sendo possível imaginar outro caráter político aplicável, na verdade, isso não seria uma questão de escolha.
Mill vai discordar das duas concepções, e propor uma síntese a partir delas.
Contra a primeira irá objetar que não é plausível apenas idealizar sem levar em conta as especificidades da realidade sobre a qual se pensa. Toda forma de governo necessita de certas características dos indivíduos da comunidade para o seu bom funcionamento. O problema da segunda concepção para o filósofo inglês é que ela determina um fatalismo nas coisas. O governo não é como uma planta que brota naturalmente da terra e que se mantém e cresce naturalmente por atuação de forças da natureza. O governo teve uma origem e também uma trajetória definida pela ação livre dos homens.
Na busca de uma síntese dessas duas propostas extremas, Mill admite afirmações corretas em cada uma delas. Ele concorda que o governo é resultante de uma ação livre e voluntária dos homens na sua origem e direção. Afirma, porém, que se requer da parte do povo algumas capacidades e atitudes de autocontrole para que o governo possa funcionar.
Três características seriam fundamentais para verificar se uma forma de governo está adequada para um povo: 1- Esse povo não deve se opor ao governo. Um povo muito rebelde e selvagem que não esteja disposto a obedecer a uma autoridade instituída, não está preparado para um governo livre. Para Mill, um exemplo é o caso dos índios e bárbaros, que não se sujeitariam a não ser pela ação coercitiva.
2- Ser capaz de mantê-lo funcionando e 3- Fazer o necessário para alcançar seus objetivos. Essas duas características estão interligadas. Um povo apático e que não participa do governo, e que não realiza os esforços necessários para preservá-lo, ou um povo que vivendo em uma democracia entrega seu poder a um grande homem em algum momento, não está capacitado para manter a ordem de seu governo funcionando corretamente.
Outro aspecto, defendido pelo autor é o de que os “maus costumes” de um povo seriam resultado de um governo ruim. E por isso o governo deve estar preparado para lidar de forma diferente de acordo com os costumes da comunidade:
“Um povo tão determinado não pode ser governado com pouco poder como um povo cuja solidariedade está do lado da lei e que tende ajudar diretamente a reforçá-la.”
No entanto, seria um exagero transformar a ajuda dos bons costumes e de uma moralidade avançada em uma condição necessária para o estabelecimento do governo. Não se trata apenas de alguns ajustes, pode-se propor formas diferentes de governo dependendo de cada caso particular. E a defesa teórica do governo pode ajudar em sua aceitação.
“Recomendar e defender uma instituição em particular ou forma de governo e estabelecer sua vantagens o mais claro possível é um modo geralmente o único modo para conseguir educar a mentalidade da nação não somente para aceitar ou reclamar, mas também para desenvolver a instituição.”
Outra forma de pensar, entretanto, apresenta mais um provável obstáculo na tentativa de aplicar idéias abstratas sob um governo na prática. A teoria que diz que a distribuição da riqueza na sociedade determinará os rumos políticos da mesma. Vejamos esse ponto de vista:
“Uma nação, portanto, não pode escolher sua forma de governo. Ela pode escolher os simples detalhes e a organização prática, mas a essência do todo, o lugar do poder supremo, é determinado pelas circunstâncias sociais.”
O autor, porém contesta essa teoria, afirmando que o poder da opinião e da crença são superiores ao da propriedade. O pensamento especulativo seria, segundo ele, um dos elementos principais do poder social. Por isso, afirma:
“O que os homens pensam determina como eles agem;”
E, portanto, os filósofos e pensadores políticos poderiam através da construção de uma boa teoria, convencer os indivíduos poderosos da sociedade a aceitar suas diretrizes, se pudessem ser o mais convincentes possível.
“Aqueles que podem ter sucesso em criar uma persuasão geral sobre certa forma de governo, ou um fato social de qualquer tipo, que merece ter a preferência, possivelmente já tomou os passos mais importantes em direção à abrangência dos poderes da sociedade.”
Mill chega então a sua conclusão: é possível investigar a melhor forma de governo apropriada para cada caso, de forma abstrata.
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